"Portanto, eu vos digo: Toda forma de pecado e blasfêmia se
perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos
homens"
E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem,
ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será
perdoado, nem neste século nem no futuro.
Mateus
12.31-32
Do
grego (blasphemia) blasphemía, pelo latim blasphemia:
1-
palavras que ultrajam divindade ou a religião.
2-
Ultraje dirigido contra pessoa ou coisa respeitável.
A
declaração apresentada por Jesus neste episódio distingue a blasfêmia contra o
Espírito Santo de todos os outros tipos de pecados que um ser humano pode
cometer.
É
preciso, no entanto, apresentar ao leitor um dado a muito conhecido pelos
teóricos do Novo Testamento com relação às expressões usadas neste período. A
tradução Versão Autorizada Inglesa (King James) acertadamente traduz a
expressão passa hamartia por “toda forma de pecado”. É evidente, no entanto,
que o sentido da expressão é “toda outra espécie de pecado”. Portanto, a
blasfêmia contra o Espírito Santo não está inclusa nesta expressão. As
traduções de João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil
(sociedade Bíblica do Brasil) e revista e corrigida, traduzindo literalmente do
grego, todo pecado, obscurecem o sentido mais amplo.
Existem,
portanto, várias interpretações sobre o que realmente é blasfemar contra o
Espírito Santo. Todos parecem saber que esse delito é imperdoável, porém as
opiniões se divergem amplamente quanto ao que ele realmente pode ser. Alguns
afirmam ser o suicídio, outros o adultério. Também há quem diga ser a rejeição
do evangelho depois da vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Poucos se
detêm a examinar o contexto das referências à blasfêmia contra o Espírito
Santo, como acontece na maioria dos casos dos assuntos aparentemente
divergentes na Bíblia. A análise cuidadosa do texto elucida alguns pontos aos
quais devemos atentar. Os textos relevantes são encontrados nos três primeiros
evangelhos chamados evangelhos sinóticos (que devem ser vistos em conjunto). Em
Mateus 12, as afirmações de Jesus sobre blasfemar contra o Espírito Santo
ocorreram quando ele curou um homem cuja possessão demoníaca o havia feito cego
e mudo. Em Marcos 3, a cura não é mencionada, Lucas registra a cura no capítulo
11 e menciona a blasfêmia contra o Espírito Santo em 12.10.
Afirmar
que o mal é o bem e que luz e trevas eram pratica comum entre os fariseus. Esta
prática traz em si mesma um alerta anunciado pelo profeta Isaias (Isaias 5.20)
e agora reinterpretado por Jesus como Blasfêmia contra o Espírito Santo.
Na
história da Igreja, muitos estudiosos emitiram sua opinião sobre o assunto:
Para
Irineu, Blasfêmia contra o Espírito Santo seria a rejeição do evangelho;
Atanásio
– a negação da divindade de Cristo, a qual teve sua evidencia ao homem pela
concepção do Espírito Santo;
Orígenes
– toda a quebra da lei após o batismo, Agostinho – a dureza do coração humano
rejeitando a obra de Cristo [2].
Vemos
que a acusação feita contra Jesus em Mateus 12.24 “Este não expulsa os demônios
senão por Belzebu, príncipe dos demônios” [3] de que ele não passa de um
curandeiro, cujos exorcismos são feitos pelo poder maligno, acusação que se
repete nos evangelhos. Contesta-se, o verdadeiro significado do poder e das
obras do Messias. Não vemos no texto a negação da realidade do milagre, mas a
acusação de que são diabólicos, nega-os como sinais do poder soberano de Deus.
A reação de Jesus acontece em meio a uma série de parábolas rápidas que
demonstram ser ilógico pensar que Satanás daria poderes a Jesus a fim de destruir
a si próprio. A última parábola (Mateus 12.29), acerca de apoderar-se dos bens
do valente, pode ser uma alusão a Isaías 49.24-25, em que Deus descreve a
salvação futura com o mesmo tipo de figura de linguagem.
A
existência de um pecado imperdoável tem mexido com a mente dos cristãos em todo
mundo em todos os séculos do cristianismo. Podemos observar no contexto
apresentado pelo evangelista, que a advertência de Jesus dirige-se contra os
que rejeitam sua mensagem ao chamá-la de satânica. No entanto, vemos que, se há
preocupação, pelo fato de que algo possa eliminar o ato do perdão de Cristo é,
ironicamente, evidência de que o homem crê em Cristo e que o mesmo foi enviado
por Deus, e constitui, assim, prova de que tal pessoa não cometeu o pecado contra
o qual o Senhor adverte.
Para
compreendermos melhor esse assunto é preciso termos em mente o que de fato é a
graça dispensada por Deus aos homens.
Dietrich
Bonhoeffer, em sua obra intitulada Nachfolge, traduzida em português com título
“Discipulado”, traz uma das melhores definições para este tópico, ao dizer que
a graça barata é a maior inimiga de nossas igrejas, quando na verdade
deveríamos defender a graça preciosa.
Graça
barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento
malbaratado – é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído
diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem
custo. A essência da graça seria ao que pensamos a conta ter sido liquidada antecipadamente
e para todos os tempos. Estando a conta paga, pode-se obter tudo gratuitamente.
Por ser infinitamente grande o preço pago, são também infinitamente grandes as
possibilidades de uso e dissipação. Que seria graça se não fosse barata?
A graça
preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende com
alegria tudo quanto tem; a pérola preciosa, para adquirir a qual o comerciante
se desfaz de todos os seus bens; o governo régio de Cristo, por amor do qual o
homem arranca o olho que o escandaliza; o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do
qual o discípulo larga as suas redes e o segue. A graça preciosa é o Evangelho
que há que se procurar sempre de novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta
à qual se tem que bater. Essa graça é preciosa porque chama ao discipulado, e é
graça por chamar ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida
ao homem, e é graça por, assim, lhe dar a vida,- é preciosa por condenar o
pecado, e é graça por justificar o pecador. Essa graça é sobretudo preciosa por
tê-lo sido para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu Filho fostes
comprados por preço" - e porque não pode ser barato para nós aquilo que
para Deus custou caro. A graça é graça sobretudo por Deus não ter achado que
seu Filho fosse preço demasiado caro a pagar pela nossa vida, antes o deu por
nós.
A
maneira como Bonhoeffer descreve o significado de “graça”, nos tranqüiliza no
sentido de que, uma vez participantes dessa graça preciosa, temos
instintivamente maior zelo em relação ao Sagrado. Logo somos guardados de
blasfemar contra o Espírito Santo, no entanto continuamos sujeitos, como não
poderia ser diferente, ao cometimento dos demais pecados.
Atribuir
as obras de Deus ao Diabo foi no período patrístico e na idade média, o
pressuposto usado para condenar à inquisição aqueles que de alguma forma não
concordavam com o pensamento teológico da igreja vigente em sua totalidade nos
assuntos doutrinários, como a Trindade e a divindade de Cristo. Desta maneira,
declarava-se maldito, partindo do pressuposto que blasfemaram e, por
conseguinte, não haveria perdão para os tais, nem de Deus nem da Igreja.
Na
sociedade pós-moderna este fato poderia se repetir, atribuindo o mesmo adjetivo
ao mesmo tipo de comportamento, como por exemplo, os adeptos da confissão
positiva, que acreditam que podem “determinar” que Deus cumpra isso ou aquilo,
excluem deliberadamente os que não aderem esse tipo de comportamento como, prática
litúrgica, esquecem, no entanto que, o próprio Deus, criador dos céus e da
terra, não se submete aos nossos anseios. Outro tipo comum em nossos tempos
poderíamos assim dizer, são aqueles que impedem que as mulheres tenham seu
papel no ofício religioso, tolhendo-as no meio eclesiástico de realizar algo
além do que o ideal machista permite.
Semelhante
a estes, podemos ressaltar, são aqueles ensoberbecidos que ousam descrever o
Ser de Deus e os seus atributos, como se O Criador eterno fosse um objeto,
passível de análise, excluindo séculos de pesquisas e teorias daqueles que
buscaram entender, não o inimaginável do Eterno, mas os aspectos tangíveis
manifestos na vida e no comportamento do ser humano.
Esse
tipo de ultraje ao Sagrado, embora não seja uma blasfêmia contra o Espírito
Santo no sentido mais estrito do termo, certamente se constitui em um outro
pecado; a idolatria, tão condenável quanto, porém perdoável, uma vez que Deus
deu o seu único filho para que todo aquele que nele crê não se perca mas tenha
a vida eterna -(João 3.16).
A
blasfêmia contra o Espírito Santo é rejeitar a graça preciosa para a salvação
em Jesus Cristo. Desta forma podemos concluir que apenas aqueles que se
declaram apáticos as boas novas do Cristo, poderiam blasfemar contra o Espírito
Santo, e não os cristãos, conforme recomendação do apóstolo Paulo em Efésios 4.17-22ss
“E digo
isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam também os
outros gentios, na vaidade da sua mente. Entenebrecidos no entendimento,
separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu
coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à
dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza. Mas vós não aprendestes
assim a Cristo, se é que o tendes ouvido, e nele fostes ensinados, como está a
verdade em Jesus; que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem,
que se corrompe pelas concupiscências do engano” Efésios 4.17-22
Wilson
R. Cardoso
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