Não vos fieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo
do Senhor, templo do Senhor é este.
Jeremias 7.4
Todos
sabem que Paulo de Tarso, antes de ser convertido era um homem de pavio curto,
de temperamento colérico, explosivo. Mas depois daquele fatídico dia no caminho
de Damasco, o implacável perseguidor da seita do Caminho tornou-se seu maior
defensor, e teve seu perfil temperamental transformado pelo Espírito. Não era
fácil tirá-lo do sério. Paulo buscou viver e encarnar o Evangelho até às
últimas conseqüências. Porém, houve um episódio em particular que nos faz
cogitar se não sobrou qualquer resquício do velho homem que insistia em vir à
tona de quando em vez. Não creio que ele fosse um homem rancoroso e a prova
disso é que o mesmo Marcos que o abandonou no início de sua jornada, foi
requisitado por ele na reta final de seu ministério.
Mas
houve outros que parecem tê-lo tirado do sério, entre eles Himeneu, Alexandre e
Fileto.
Em sua
primeira carta a Timóteo, Paulo denuncia alguns que "vieram a naufragar na
fé". "Entre esses", prossegue o apóstolo, "encontram-se
Himeneu e Alexandre, os quais entregaram a Satanás para que aprendam a não blasfemar"
(1 Timóteo 1.20).
Será
que Paulo teve uma recaída? Como alguém que pregava a Graça com tanto afinco
poderia chegar ao ponto de entregar outros a Satanás? O que tais homens fizeram
de tão sério para merecer um tratamento desses?
Vamos
investigar um pouco mais.
Em sua
segunda epístola a Timóteo, Paulo recomenda que seu pupilo evite "os
falatórios inúteis, porque produzirão maior impiedade. E a palavra desses
corrói como câncer; entre os quais estão Himeneu e Fileto. Estes se desviaram
da verdade, dizendo que a ressurreição é já passada, e perverteram a fé que
tinham alguns" (2 Timóteo 2.16-18).
Portanto,
o naufragar na fé e o blasfemar apontados na primeira epístola são explicados
aqui como falatórios inúteis, que produzem maior impiedade. Esses falatórios agiam
como câncer, identificados aqui como desvio da verdade e perversão da fé.
A
palavra grega traduzida aqui como "câncer" é γάγγραινα (gaggraina),
de onde se origina o vocábulo gangrena. As traduções mais antigas trazem gangrena
em vez de câncer. A diferença básica entre essas moléstias é que a gangrena
ataca os membros do corpo, consumindo seu tecido, enquanto o câncer,
geralmente, ataca os órgãos vitais. A gangrena é, por assim dizer, uma moléstia
externa, enquanto que o câncer geralmente é interno. Porém ambos têm em comum o
fato de devorarem parte do corpo de suas vítimas.
Em casos
de gangrena, a solução é a amputação. Embora seja uma decisão difícil de tomar,
o médico sabe que é melhor poupar a vida do paciente do que preservar um membro
necrosado.
Em
casos de câncer, a situação é similar. Tem-se que eliminar as células cancerígenas
antes que façam a metástase e se espalhem por outras regiões do organismo,
infectando novos órgãos. O câncer se dispersa quando células tumorais caem nas corrente
sanguínea ou linfática e viajam até outro órgão, onde um segundo tumor se
forma.
Uma
proteína produzida pelo câncer cola em outras células, as da medula óssea
progenitoras das células sanguíneas. Elas são promovidas a «soldados do
câncer», migrando até uma região em particular. Lá, os emissários se instalam e
começam a produzir uma proteína chamada fibronectina, que age como uma cola
para atrair e prender mais células da medula, formando um ninho de proteção e
fonte de alimento para as células tumorais - que seguem como generais para um
campo de batalha já preparado para recebê-los. Esses ninhos têm ligação com as
células cancerígenas para implantá-las. Com isso elas não apenas mudam como se
proliferam. Depois disso, tem-se um local completamente formatado para um tumor
secundário.
A
metástase é o processo mais mortal envolvido no câncer. Não é raro paciente com
tumores sólidos serem operados e tratados inicialmente, para morrer algum tempo
depois de um câncer secundário.
É claro
que Paulo não tinha idéia de como funcionava o processo de metástase. Mas
inspirado pelo Espírito Santo, deixou-nos relatado esse episódio em que a
melhor opção foi “amputar” um membro do corpo, para preservar os demais.
É o
corpo que tem que ser preservado. Agora, imagine se um médico dissesse à sua
paciente: - Há um nódulo em seu seio esquerdo. Vou remover o direito antes que
seja infectado. Isso faria sentido? Nenhuma cirurgia é mais traumática a uma
mulher do que a Mastectomia. Mas se não resta alternativa, que se remova o seio
canceroso, e não o saudável. É a vida da mulher que deve ser preservada. Ela viveria
sem um dos seios, mas um seio saudável não sobreviveria à parte do resto do
corpo.
Há
células cancerígenas na igreja cristã de nossos dias. Mas a saída não é remover
os membros ou órgãos saudáveis para outro corpo. A saída é denunciar onde está
a ‘doença’ e então atacá-la.
Não vou
sair por aí dizendo que não sou mais cristão porque as coisas que se fazem em
nome do Cristianismo são deploráveis. Prefiro denunciar os tais que usurparam o
nome de “cristãos”, e desmascarar os impostores.
Não
podemos simplesmente jogar fora dois mil anos de história. Seria insensatez de
minha parte acreditar que somente agora no raiar do vigésimo primeiro século,
alguns cristãos conscientes resolveram redescobrir o sentido original da
mensagem de Jesus. Não! Sempre houve e sempre haverá um remanescente em cada
geração. Jesus garantiu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Sua
igreja. Duvido muito que Ele tenha Se enganado.
Assim
como sempre houve remanescentes, também sempre houve e haverá células cancerígenas
ou membros gangrenados. Constatamos isso nos escritos apostólicos ainda do
primeiro século da era cristã. Mas como os apóstolos lidaram com isso?
Paulo
os entregou a Satanás. Acredito que esta “entrega” seja o equivalente à
amputação de um membro gangrenado. É claro que esta deve ser a última opção a
ser considerada. Assim como o médico só decide remover o seio canceroso depois
que a quimioterapia comprovou-se ineficaz. Mas quem disse que Paulo não lançou
mão de outras?
No
finalzinho de sua segunda epístola, Paulo diz a Timóteo:
"Alexandre,
o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe pague segunda as suas obras.
Tu também te guarda dele; porque resistiu muito às nossas palavras" (2 Timóteo
4.14-15).
Se a
palavra já não tem qualquer efeito sobre a pessoa, o que resta senão
“considerá-la como um gentio”?
Gosto
da maneira como Paulo “dava nome aos bois”. Muitos nos criticam quando fazemos
o mesmo. Não basta falar por alto, deixar subentendido nas entrelinhas. É
necessário que o espírito do erro seja nominado. Aqueles cujas palavras estão
corroendo o corpo de Cristo têm que ser expostos para que não continuem a se
alastrar.
De uma
coisa estou certo: a igreja de Jesus jamais será um paciente terminal. Os
membros de Cristo jamais terão que ser doados a outro corpo por causa da
irreversibilidade de seu estado.
Se
Cristo nunca desistiu de Sua igreja, por que desistiríamos nós? Não estou
saindo em defesa da igreja enquanto “instituição”, e sim da igreja como
organismo vivo. As denominações são para a igreja o que as roupas são para o
corpo. Hoje são novas, amanhã envelhecem, hoje estão na moda, amanhã serão
consideradas antiquadas. Como tais, devem estar sempre bem apresentáveis,
lavadas, passadas, e cheirosas. Porém, não são insubstituíveis. Como bem
sinaliza Jesus, o corpo é muito mais do que as vestes. Ainda que as vestes
resplandeçam com a glória do Corpo, como aconteceu na Transfiguração, não
deixarão de serem apenas roupas. Mas o Corpo tem glória permanente. É por isso
que creio na igreja de Cristo, pois deixar de crer nela é o mesmo que
desacreditar nas palavras de seu fundador.
Toda
honra e glória e louvor seja dado ao Senhor Jesus.
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