Ele era a candeia que ardia e alumiava, e vós quisestes alegrar-vos
por um pouco de tempo com a sua luz.
João 5.35
Uma das
figuras que mais me intrigam nas Escrituras é João Batista, o primo excêntrico
de Jesus. Quanto mais leio sobre ele, mais me identifico com sua história.
Dentre os testemunhos que Jesus dá acerca do último dos profetas da Antiga
Aliança, chama-me a atenção aquele em que diz: “João era a lâmpada que ardia e
iluminava, e vós escolhestes alegrar-vos por algum tempo com a sua luz”.
Repare
num detalhe: Para iluminar, a lâmpada tem que arder!
Havia
algo apaixonante em João, que atraía as pessoas, a ponto de deixarem o conforto
de seus lares para ouvi-lo no deserto, um dos mais inóspitos ambientes da
terra. As pessoas sentiam-se atraídas a ele como mosquitos atraídos pela luz.
Jesus
disse que somos a luz do mundo. O problema é que queremos iluminar sem arder.
Somos uma geração apática, sem fogo, sem paixão. Não me refiro àquela paixão
incitada por melodias melosas, mas uma paixão consciente pela verdade e pela
possibilidade de transformação do mundo.
Embora
João jamais tenha realizado qualquer milagre, Jesus não hesitou considerá-lo o
maior expoente dentre os profetas. Maior que o próprio Elias, que fez descer
fogo do céu por diversas vezes. Maior que Moisés, o Legislador de Israel, que
dentre muitos milagres, fez abrir o Mar Vermelho para que os hebreus escapassem
do exército egípcio. Pra Jesus, João não foi apenas o maior dos profetas, mas o
maior de todos os homens:
“Em
verdade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido, não apareceu alguém
maior do que João Batista; contudo, o menor no reino dos céus é maior do que
ele” (Mateus. 11.11).
Com
João, encerrava-se uma Era. Ele era como “o último dos Moicanos”. Cristo vinha
anunciar a Era do Reino de Deus. E o menor dos cidadãos do Seu Reino, poderia
ser considerado maior que João. Ora, somos os cidadãos do Reino de Deus. Por
que deveríamos ser considerados maiores que João? Para respondermos a esta
pergunta, teremos que compreender melhor a diferença entre as duas alianças, a
do Monte Sinai e a do Monte Gólgota.
Paulo
diz que Deus “nos fez capazes de serem ministros de uma nova aliança, não da
letra, mas do Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Corintios 3.6).
A letra em questão é uma alusão às tábuas da Lei, recebidas por Moisés no Monte
Sinai.
João
era ministro da Velha Aliança. Nós somos ministros da Nova Aliança. A Lei foi
chamada de “ministério da morte, gravado com letras em pedras”. De fato, ela
veio “em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos
na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, ainda que desvanecente”
(v.7). Preste atenção neste detalhe: a glória revelada no rosto de Moisés era
desvanecente, isto é, fugaz, passageira, que estava destinada a diminuir
gradativamente.
Era
esta a glória do ministério dos profetas, inclusive de João.
O texto
sagrado diz que Moisés, ao descer do Monte, teve que cobrir sua face por causa
da glória que nele resplandecia. Muitos acreditam que tal medida foi necessária
para que os filhos de Israel pudessem olhar pra ele. Porém Paulo nos revela a
verdadeira razão:
“E não
somos como Moisés, que punha um véu sobre a sua face para que os filhos de
Israel não fitassem o fim daquilo que desvanecia” (v.13).
Moisés
percebeu que à medida que descia do Monte, a glória diminuía. O que os filhos
de Israel pensariam disso? Para encobrir-lhes tal realidade, o profeta preferiu
usar um véu. Em contraste com essa glória desvanecente, a glória da Nova
Aliança é permanente e definitiva (v.11). Por isso, não precisamos cobrir nossa
face.
João
compreendeu perfeitamente isso, quando disse acerca de Jesus: “Convém que Ele
cresça, e eu diminua”. Uma glória se esvai pra que a outra venha em caráter
definitivo. Porém, ambas devem produzir ardor em seus expoentes.
Para
iluminarmos, isto é, para resplandecermos a glória de Deus em nossas vidas,
nosso coração deve arder como ardia o coração dos discípulos que encontraram
Jesus à caminho de Emaús.
Há,
entretanto, uma diferença entre o arder da Antiga Aliança, e o arder da Aliança
Definitiva.
No primeiro
encontro que Moisés teve com Deus no deserto, ele avistou uma sarça que ardia,
porém não se consumia (Êxodo 3. 2). E foi justamente isso que o atraiu à sarça.
Quando a glória se foi, a sarça se manteve intacta.
Da
mesma maneira, a glória da Antiga Aliança mantinha intacta a natureza humana.
Por isso, ela desvanecia. O ego humano não lhe servia de combustível. Já na
Nova Aliança as coisas são bem diferentes. Nosso “eu” não pode ser poupado.
Basta olhar para Paulo, que considerava que se “eu” estava crucificado com
Cristo. Em 2 Coríntios 12.15, ele diz:
“Eu de
muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que,
amando-vos cada vez mais, seja menos amado.”
Portanto,
a chama que deve arder em nós e nos consumir é o AMOR. E para iluminar os que
estiverem à nossa volta, não poderemos nos poupar. Não há como nos mantermos
intactos, enquanto a chama do Espírito arde em nós. Sua glória consome nosso
orgulho, nossa prepotência, nossa vaidade, de maneira que já não vivemos mais,
mas Cristo vive através de nós (Gálatas 2.20).
Somos
ofuscados pela glória, de forma que quem fitar em nós, em vez de nos ver, verá
a glória de Cristo em nós. Interessante notar que a glória resplandecente no
rosto de Moisés foi escondida sob o tecido de um véu. Já a glória que
resplandeceu no rosto de Jesus durante a Sua transfiguração, fez com que o
tecido que cobria todo o Seu corpo fosse igualmente transfigurado (Mateus 17.1-8).
Assim
também, a glória colocada em nós deve tocar e “transfigurar” toda a realidade à
nossa volta. Isso inclui a cultura, a educação, a ciência, e tudo mais.
Nada
escapa do escopo dessa glória. Embora lá estivessem Elias e Moisés, dois dos
maiores ícones da Antiga Aliança, quando os discípulos fitaram seus olhos, a
ninguém mais viram, a não ser Jesus. Seus corações ardiam tanto, que Pedro
chegou a sugerir que se construíssem ali três tabernáculos. Porém, não se pode
circunscrever a glória em alguns metros quadrados, e nem tentar contê-la por um
espaço de tempo. A glória da Nova Aliança não pode ser contida por
tabernáculos, nem escondida sob véus. Seu destino é encher todo o Cosmos, a fim
de transfigurá-lo.
Que
esta chama continue ardendo em nós, e nos consumindo, conduzindo-nos de glória
em glória, até a manifestação final, o Dia Perfeito.
"A
vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser
dia perfeito" (Provérbios 4.18).
Os
contemporâneos de João escolheram alegrar-se por algum tempo com a sua luz (João
5.35). Nós, porém, fomos escolhidos para nos alegrar eternamente com a Luz do
Novo Dia, um dia que jamais terá fim.
Muito forte!
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